ArtigosClipeMúsicasNotíciasNovidades

Rewrite this title naturally: Nelson Rodrigues e o amigo Abdias, “o único negro do Brasil”



Rewrite the content below in a natural and informative way. Keep the HTML tags:

Quando o Brasil ainda se considerava uma “democracia racial”, Nelson Rodrigues não se iludia. O anjo pornográfico escreveu pelo menos três crônicas que desmontavam a falácia. Uma delas ficou bastante conhecida, pelo jeito provocador com que falava de um amigo de teatro e de bar, Abdias do Nascimento. Na verdade, Abdias servia de pretexto para Nelson denunciar o racismo estrutural brasileiro, como se diz hoje.

O título da tal crônica era bombástico: “O único negro do Brasil”. Naquele 1968, ainda vivíamos sob a crença de que éramos um país que, ao contrário dos Estados Unidos, tínhamos misturado as raças e, portanto, estávamos um passo à frente no avanço civilizatório.

Nelson começa a crônica de um jeito desconcertante, com o epitáfio de Rainer Maria Rilke, o poeta austríaco: “Rosa, ó pura contradição, volúpia de ser o sono de ninguém, sob tantas pálpebras”.

O epitáfio de Rilke provoca uma “desesperada alegria auditiva” em Nelson. “Tantas pálpebras, rosa, sono de ninguém, volúpia, ainda Rosa. Passaria horas invertendo, trocando, repetindo, destruindo as palavras”, escreve o cronista ululante. Mas, na verdade, ele não queria falar do poeta austríaco nem da rosa, mas sim “de puro negro brasileiro”.

Aí entra em cena Abdias do Nascimento, que ainda não era um dos mais importantes ativistas da causa negra brasileira (e poeta, dramaturgo, professor universitário, deputado federal, senador). No dia anterior à publicação da tal crônica (11/03/1968), Abdias fora à redação de O Globo visitar o amigo cronista. E, como costumava acontecer, Nelson tirou da visita a inspiração para o texto do dia seguinte.

Na crônica, Nelson se lembra do espanto de Jean-Paul Sartre, quando veio ao Brasil, em 1960 (e a Brasília, inclusive). Ao final de uma de suas conferências para o público brasileiro, o filósofo francês fez a célebre pergunta: “E os negros? Onde estão os negros?”. Em todas as palestras, só tinha visto brancos e brancas nas plateias que lotavam as salas para ouvir o existencialista.

Segue o cronista: “A mesma pergunta podia ser repetida, de brasileiro em brasileiro. Quem olha os nossos presidentes, ministros, arquitetos, escritores, mímicos, veterinários e palhaços, há de querer saber, como Sartre, onde estão os negros, os nossos negros. Outro dia, fiz essa súbita e singela constatação: — “Não há um palhaço negro.”

E Nelson conclui de modo abruptamente poético: “E, se  parecer um, será apenas um e desabará sobre ele uma solidão jamais concebida”.

Abdias tinha ido visitar o amigo cronista para sugerir a ele que aderisse a uma campanha contra a África do Sul (vivia-se o tempo do  apartheid). Nelson argumentou que havia uma distância infinda entre os negros do país africano e os do Brasil. Ao que o futuro senador retrucou: “Somos não sei quantos milhões!”. E o cronista de A vida como ela é reagiu, com o jeito hiperbólico/poético de  sempre: “Abdias, só há um negro, que é você mesmo. Não milhões, você.”

E explicou ao amigo que ele era “o único negro com plena, violenta, trágica, consciência racial. Era um negro exultante de o ser. A cor  era a sua perene embriaguez.”

Nelson e Abdias conviviam diariamente no Vermelhinho, o bar dos artistas, arquitetos, jornalistas e tais na Cinelândia (Rio de Janeiro) de meados do século XX.

O ativista negro se espantava ao ver aquele branco leitoso dizer com a voz de barítono nervoso: “Nos Estados Unidos, o negro é caçado a pauladas e incendiado com gasolina. Mas no Brasil é pior: ele é humilhado até as últimas consequências”. Nelson dizia essas  verdades incômodas num tempo a esquerda desprezava olimpicamente os movimentos negros.

O reacionário Nelson Rodrigues, involuntariamente, acabou sendo um precursor de certa consciência do racismo brasileiro.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo