Rewrite the content below in a natural and informative way. Keep the HTML tags:
Um dos fenômenos mais significativos da contemporaneidade é a transferência de poder, dos centros tradicionais (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) para diferentes atores e regiões, propiciando o surgimento de novos polos de poder, que passam a atuar como agentes de mudança e influência, desafiando as instituições de Estado. Governos continuam sendo importantes, mas estão longe de serem os únicos ou principais condutores do destino coletivo.
Entre os novos centros de poder, sobressaem as Organizações Não Governamentais (ONGs), onde vão se abrigar parcelas da população, que mostram desinteresse em relação às instituições políticas e seus representantes. Prova do desinteresse é a baixa participação eleitoral, o aumento do voto nulo e branco e a crescente insatisfação com o desempenho dos governantes.
No Brasil, as ONGs atuam em diversas áreas, acolhendo os grupos organizados da sociedade, fazendo pressão sobre os congressistas e levando ao Executivo as demandas sociais. Outros protagonistas entram no processo de redistribuição do poder, entre os quais, grandes corporações como Apple, Google, Amazon, Shell, cujos orçamentos são superiores ao PIB de muitos países globais, influenciam legislações e pautas ambientais, tecnológicas e tributárias; movimentos como Greenpeace, Médicos Sem Fronteiras, Anistia Internacional; conglomerados de informação, como redes de TV, plataformas digitais, agências de notícias e algoritmos, que operam como filtros do real, influenciando narrativas.
Por último, estão organismos internacionais, como FMI, Banco Mundial, OMS, OMC, União Europeia, com seu poder de definir normas que se sobrepõem às decisões dos Estados. E ainda as redes digitais, que criam formas de organização e influência.
Roger-Gérard Schwartzenberg, cientista social e político francês, foi um dos primeiros a diagnosticar a fragmentação da autoridade estatal e o surgimento de novos centros de poder. Sua análise, ainda atual, descreve um mundo onde o Estado-Nação já não detém o monopólio da decisão política, sendo desafiado por atores não estatais.
Ele parte da ideia de que o Estado moderno, como concebido desde o absolutismo, entra em colapso simbólico e funcional, não conseguindo mais responder de maneira eficaz aos desafios da economia transnacional e da revolução digital. Alerta para o risco de uma erosão da soberania popular, uma vez que muitos desses novos polos de poder não são escolhidos nem controláveis pelos cidadãos.
Schwartzenberg antecipa uma realidade que hoje se consolida: a política fragmentada, descentralizada, onde o poder circula de forma opaca. Governos continuam sendo importantes, mas estão longe de serem os únicos ou principais condutores do destino coletivo. Para os estudiosos da comunicação, isso implica revisitar a noção de esfera pública e da accountability (transparência nos atos, na entrega de resultados e na definição de responsabilidades).
E como vão as ONGs no Brasil? A primeira observação diz respeito ao seu avanço. A Constituição de 88 foi o marco inicial para a expansão das ONGs. Etnia, religião, gênero, orientação sexual, deficiência, idade, entre outros setores, passaram a se abrigar sob sua sombra, abrindo um leque em defesa do direito das minorias (população LGBTQIA, povos indígenas, população negra, pessoas com deficiência, mulheres, pessoas em situação de rua, migrantes e refugiados).
Trabalham em diversas frentes, entre as quais, a frente do desenvolvimento e defesa de direitos, ação da Conectas Direitos Humanos e Artigo 19, que trabalham na promoção e proteção dos direitos humanos, combatendo a discriminação e a violência; na frente da assistência social; na frente do meio ambiente, onde se faz a defesa do meio ambiente, promovendo a sustentabilidade e a conservação da biodiversidade; na área saúde, onde se oferecem serviços de prevenção, tratamento e apoio a pacientes; na frente da educação, onde se promovem projetos de alfabetização, inclusão e desenvolvimento de crianças e jovens. O CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), por exemplo, a maior ONG de inclusão de jovens e estudantes no mundo do trabalho, já inseriu no mercado, ao longo de mais de 60 anos de atuação em todo o Brasil, mais de 7 milhões de jovens, entre alunos do Programa de Estágio e jovens do Programa Jovem Aprendiz.
Por fim, resta aduzir que os novos polos de poder refletem a crescente importância das regiões, formando um maior equilíbrio de forças; desafiam a hegemonia do poder tradicional, o que pode ser visto como um estímulo à competição saudável e à busca por soluções mais justas; impulso à inovação e ao desenvolvimento em áreas como tecnologia, economia e cultura.
Há algum risco? Sim. A disputa entre diferentes polos pode levar a uma maior polarização e fragmentação da sociedade, dificultando o diálogo e a busca por soluções conjuntas e incentivando a competição entre diferentes polos.
Em suma: a relação entre novos polos de poder e democracia é ambivalente. Se, por um lado, a emergência de novos centros de poder pode trazer benefícios como maior diversidade e inovação, por outro, pode gerar riscos como conflitos polarizados. A chave para garantir que os novos polos de poder contribuam para o fortalecimento da democracia reside na promoção do diálogo, da cooperação e do respeito aos direitos humanos.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor-emérito da ECA-USP e consultor